sábado, 18 de novembro de 2017

Todas as Datas do Mundo

Era 29 de Dezembro de 1969 quando cheguei naquela rodoviária novinha. Cheiro de tinta fresca, concreto claro e nenhum centímetro quadrado de fuligem. Antes mesmo de descer do ônibus eu te vi. Esperta, pessoa baixinha esperta. Me esperou no degrau mais alto da escada que liga o desembarque com a plataforma. Dessa forma nosso primeiro contato naquele dia seria com ela do topo, como alguém da realeza recebendo um súdito. E, num gesto nobre, ela segurou meu rosto com as duas mãos e me deu um beijo, segurando meu rosto como se fosse um presente que chegou. Era então Abril de 2016.

Mas já havia passado a ser 6 de Setembro de 1954 quando atravessamos o túnel, com aquelas paredes de entrada tão brancas de novas, brasão da cidade no meio. O túnel era também um túnel do tempo, e dentro dele eu deixei o asfalto e o carro de lado e fui sentindo seu cheiro e sua pele tão branca que brilhava pra mim. Ela era meio neon em pleno 1954.

No nosso prédio o tempo se perdia um pouco. Era 1920 na fachada, um toque de 1940 de um corredor em obras no interior e tinha certeza que era 2005 quando liguei o ar condicionado split na tomada, mas logo depois disso pisei em uns tacos soltos do chão e já era 1917 de novo. A.C..

Mas nada disso importava quando em 1996 aquela TV de tubo insistia em pegar uns canais chuviscados de TV fechada e ela, nua, insistia em discutir comigo que tanto nos filmes quanto nos livros foi o Rabicho que matou o Cedrico. Eu tinha certeza que no livro o próprio Voldemort matava o Cedrico. Ela tinha certeza que eu estava errado, e jogava em mim uma arrogância de um conhecimento de causa que até eu duvidei de mim mesmo. “Se diz fã e fala uma dessa, que absurdo!”. Ela sorria o mais gostoso dos sorrisos, o sorriso da vitória, da superioridade. Eu apenas disse que tinha certeza e ela foi para 2008 pegar o smartphone e achar no Google um link que compilava todas as diferenças entre livros e filmes. E sim, nos livros era o Voldemort que matava o Cedrico.

Ela não se conformou. Eu ainda estava errado, o site estava errado, a própria J.K. Rowling em pessoa estava errada. Só ela correta. Só ela me olhando por cima dos óculos quando eu apenas declarei  “Eu disse” e ela fechou a cara. A mais bela cara fechada do mundo, quero muito mais daquela cara fechada. Virou 26 de Junho de 1997, lançamento da Pedra Filosofal, quando eu disse “Hermione”. “Que?”. “Hermione. Se você não quer que minha filha seja Maria Alice, tem que ser Hermione”.

Virou Junho de 2009, ou Julho, ou Agosto, enfim, mas era 2009, quando atravessou o quarto, nua, e vestiu minha camisa e a fez parecer completamente nova, como se eu tivesse acabado de ganhar em 2009. Eu tinha 15Kg a mais quando ganhei, até em mim está gigante. Nela virou um vestido, um vestido muito largo porém meio curto que me deixava ver toda suas coxas. Aquelas coxas que brilhavam nos meus olhos, forçavam o joelho no colchão e após jogar o corpo na horizontal vinham diretamente subir na minha perna e se aninhar. Aquele cadeado chamado coxa, um pouco dobrada, por cima da minha própria. Petrificus Totales, não é pra sair do lugar.

Logo depois já tínhamos ido para 1990 quando o cara que estava fazendo a obra assobiou uma melodia que não consegui identificar, mas parecia a música de abertura do álbum daquele ano d’Os Mulheres Negras. E aproveitando a década eu tropecei e caí de cara em 1993 e as lembranças do meu primeiro amor infantil, impuro, quando ela me contou porque terminou com o cara anterior. Eu fugi correndo com a desculpa da caixa d’água, de 1956, que insistia em não ter água.

Era 2013, quando eu comecei a descobrir minha coragem, e eu dei os passos firmes escada acima. “Eu gosto de você. Muito. Você é especial. Eu não estaria aqui hoje nesse microcosmo perdido no espaço-tempo se não gostasse de você. Para de esconder o rosto, encara o que eu to te dizendo”.

“Moça, é o seguinte, eu te amo”. Mas já era 12 de junho de 2016 quando eu disse isso. Ela já dormia um sono espamático, pesado, um torpor vampiresco. Afinal, nunca foi tão 2013 assim. Atravessei eras no dia seguinte.  A partir de 17 de Outubro de 2001 mergulhei entre línguas, dedos, unhas e cabelos. Só não fui pra década de 1960 porque o museu do estádio estava fechado.

Quando eu fui embora, era 30 de Dezembro de 1969. A rodoviária já não era tão nova. Passei rapidamente por Maio de 2016 dizendo “Tchau, idiota”. E embarquei. Subi. O motor ligou e eu já estava de novo em algum outro dia que eu nem mais sabia dizer qual.

Eu nem sei mais que dia eu sou.
Mas te amo o calendário inteiro.

domingo, 23 de julho de 2017

Teoria do Lateral Esquerdo


Dia desses eu estava no carro de um amigo dos tempos da Faculdade de Comunicação. Voltávamos de uma reunião em São Gonçalo. Tinha uma ideia para ativar a marca de uma rede de lá, lembrei que esse amigo era especialista nesse setor e chamei para montar o projeto comigo.

Fomos e voltamos conversando sobre o ponto que nossas vidas estavam. Eu comentei da minha total apatia e estagnação, tanto profissional nesse mercado de crise quanto amorosa. Ele foi contando também da vida dele e dos problemas e neuras. E foi ali, na Niterói-Manilha com a garagem da 1001 de um lado e ironicamente com o Estaleiro Esperança do outro que desenvolvi num estalo, em um par de sinapses e um punhado de falas do colega, uma teoria que agora tentarei compartilhar com vocês. Chama-se Teoria do Lateral Esquerdo e de como eu me encaixo totalmente na minha própria teoria.

Para os mais novinhos é preciso explicar que o Futebol é tipo um League of Legends offline, mas em ambos os esportes cada jogador de um time tem uma função específica. Nem todo mundo precisa fazer gol, isso é uma função do time em si, ok, mas o atacante tem essa responsabilidade. O Lateral Esquerdo não.

O Lateral é uma função meio ingrata no jogo. Ele tem que saber defender para ajudar os zagueiros, dar cobertura aos volantes, criar opções para os meias e cruzar para os atacantes. O Lateral é o que tem que entender um pouco de todos os fundamentos, se a bola caiu no canto dele é responsabilidade dele resolver, seja ataque ou defesa.

E citei lateral esquerdo porque canhoto sempre é um pouco mais raro de acontecer. Logo um bom lateral esquerdo é um artigo valioso, peça importante e que desequilibra qualquer elenco. Só que sempre tem um porém.

O Lateral Esquerdo pode ser amado, idolatrado e ganhar alguma rebarba de sucesso, isso é verdade. Mas quem fatura milhões de Euros anunciando shampoo contra Caspa não é o Lateral Esquerdo, é o Atacante. E no meu atual/último relacionamento e na minha recente fase profissional eu vivi essa experiência sofrida e ingrata que é ser lateral esquerdo.

Passei uma noite com Veronica e me apaixonei. Sim, sim, trouxa, eu sei. Mas calma aí, a história não acabou, não é tão simples assim. Já havia uma relação sexualmente tensa a mais de um ano, muitos desencontros e tal. Quando a gente se viu foi um misto de sorte de oportunidade, impulso da parte dela e burrice extrema da minha de saber que iria fazer papel de trouxa.

Mas o fato é que antes e depois desse encontro já havia no meu celular diversas mensagens de "você podia estar aqui". "Netflix, edredom e você". Ou seja, nem tudo era exclusivamente sexual. Guarde essa informação, será útil mais à frente. E eu, eterno canceriano com mais de 3 anos solteiro e acumulando decepções atrás de decepções, deixei a portinha aberta.

Mas o fato é que Veronica me curtia, de verdade, mas não o bastante para bancar um relacionamento. Esse limbo é cruel. É aí que entra a Teoria do Lateral Esquerdo. Eu constantemente ouço (e vejo que é verdade) que desempenho um papel legal na vida dos outros. Em suma, eu me vejo sim como aquele titular absoluto. Mas nunca, never, jamé, niet eu tenho ou desperto a habilidade necessária para vestir a 10.

Não foi a primeira vez e certamente não será a última. Eu vejo isso acontecendo em tantos ramos da minha vida que eu nem sei mais contar. Das diversas seleções de emprego que nunca fico na primeira fase, mas nunca passo. Dos diversos projetos que sou chamado pra dar pitaco, mas nunca para conduzir. A minha onda tem sido esse quase. E a sensação depois de mais de três décadas disso é que todo esforço é inútil. A sensação é eterna de que vou nadar, nadar e vencer o mar sim, porém morrer na praia.

Aquela pessoa que gostam de olhar o Instagram e dizer "que homão/mulherão da porra", "tá gato(a)" etc e rir do que a pessoa fala no Facebook, na mesa de bar dizer que é inteligente e tal, mas que ninguém banca aparecer de mãos dadas na rua. E além disso, a galera do "você é gato" morre de medo de pesar o mesmo que essa pessoa.

Veronica bota a culpa nela mesma, que não é um relacionamento que ela quer no momento. Isso é uma meia verdade. O que a BR-101 inteira sabe é que se aparecer alguém que ela queira se relacionar ela vai e pronto. Não é questão de momento, é questão de ser quem sou mesmo. Uma das últimas coisas que falei pra ela foi isso e como resposta tive o silêncio. Talvez nesse momento isso já esteja acontecendo.

Aquela coisa de se esforçar até dar certo, tem que tentar vamos lá etc etc etc tem limite. É preciso se esforçar sim, mas é preciso entender que uma hora ou outra vamos dar murro em ponta de faca. Quem planeja vir aqui dizer que uma hora vai acontecer por favor nem faça isso, porque tudo, sentimentalmente ou profissionalmente, está regredindo.

Lembra daquela história que eu disse que não era só uma relação sexual? Pois é, o que aconteceu é uma falta de responsabilidade afetiva absurda, e que ainda foi transformada em auto ilusão da minha parte. Eu me sentia bem apaixonadinho, ficava feliz do celular apitar e aparecer o rosto dela, correr para pegar o fone.

Mas a lição que ficou desse meu relacionamento e das últimas aventuras profissionais é essa, é o que eu e muita gente por aí precisa aceitar é que é isso mesmo, tem gente que nasce pra lateral esquerdo. 

E tem gente que fatura vendendo shampoo anti caspa.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Roteiros



Os católicos estavam certos o tempo todo, nosso destino é realmente determinado pelo divino antes de nascermos. O que pouquíssima gente sabe é que até chegar a uma versão final do que acontece são necessárias várias reuniões.

E os assuntos são decididos por santos diferentes, cada um na sua área. Por exemplo, um tempo atrás Santo Antônio e sua equipe estavam no Gabinete de Relações Carnais, GRC, que fica dentro do DGT, Departamento de Gestão Terrena. Eles estavam decidindo como seria a história de duas pessoas.

Parece trabalho demais para só duas pessoas no mundo, mas eles tem a eternidade para isso, o tempo no paraíso não corre como aqui. Por isso inclusive que a burocracia - que foi inventada no paraíso e contrabandeada para a Terra - funciona, o tempo é outro, o tempo é nada. Uma fila não demora e não atrasa, uma fila é só uma fila. Mas estou fugindo do assunto principal que era Santo Antonio e seus assessores decidindo o imutável destino de duas pessoas.

Na versão #1 do roteiro ele era meio grosseiro e nunca puxou assunto com ela no Whatsapp e a coisa não foi pra frente desde o início. Na versão #2 ela que era muito ligada no físico e ignorou desde o começo o papo daquele cara gordinho. Aí fizeram a versão #3 onde os dois se achavam interessantes, mas apareceu alguém na vida dele e uma vez, já velho, ele lembrou do que poderia ter sido a vida com ela, mas não parou muito porque o neto dele estava com febre.

Namoraram na versão #4, #5 e #8, mas em nenhum deles chegaram a casar, só na versão #7. Mas em todos esses se separaram por um Mestrado na Alemanha que ela ganhou. Na versão #9 foi ele que tirou um tempo sabático na Alemanha e quando voltou ela já não queria saber dele.

Na versão #10 os roteiristas consideraram que em 2014 quem venceu a eleição foi o Pastor Everaldo então sinceramente não tem nada nesse roteiro que preste para alguma coisa. Na versão #11, #12, #13 e #14 tiveram filhos, mas na #13 não foi uma gravidez planejada, nem eram casados, deu uma treta. Na #15 os dois eram muito emotivos e choravam por qualquer coisa e um morreu afogado nas lágrimas do outro.

Nas versões #16, #17, #18, #19 e #20 respectivamente ele morreu antes de conhecê-la; ela morreu antes de conhecê-lo; o Neymar morreu no meio da Copa antes deles se conhecerem e ninguém teve clima para romance no Brasil; ela era lésbica; ele era bi mas só namorava homem e por fim eles eram irmãos e só faziam brigar o tempo todo.

Na versão #21 ela era a treinadora do time de Baseball do Elementary School of Rounderville, ele era o Superintendente de educação do distrito e pretendia demolir o campo para construir um shopping e arrecadar fundos para os colégios da região, e a única saída para evitar isso era o time vencer o campeonato nacional e com o prêmio salvar o campo. O que começou como uma relação conflituosa inexplicavelmente passou a ser de afeto por causa de um cachorro labrador fofo e o romance foi assumido de vez quando o cachorro fez o Home Run e garantiu o título para o time da escola. Só que acabaram resolvendo usar esse roteiro para um filme da Sessão da Tarde.

Na versão #22 ela ficava chamando ele de idiota o tempo todo e os roteiristas sentiram que o caminho era por ali, mas faltava algo mais. Na #23 ele era dez anos mais novo que ela e morava em Santos-SP. Ela tinha 30 e estava farta da vida achando que nada mais podia fazê-la sorrir, se achava feia. Ele sabia que podia ser feliz com ela mas só desistiu no caminho porque era um homem de 20 anos e a única função de um homem de 20 no mundo é fazer merda.

A versão #24 envolvia Aliens e Lars Von Trier com Win Wenders, confesso que não entendi muito bem para explicar para vocês, mas eles terminavam juntos, ou os clones deles terminavam juntos, algo assim. A versão #25 era um musical, as letras eram até boas mas as harmonias nem tanto, não deu liga. A #26 e #27 tentaram uma narrativa mais alternativa, a ideia era boa mas o grande público não comprou a ideia, pelo menos a versão #27 ganhou diversos prêmios em festivais.

Em todas menos na #28 ela era baixinha, mas na #28 ela tinha um e oitenta e se vangloriava um pouco demais disso. Em todas menos na #29 ele era feio, mas na #29 ele virou Colírio da Capricho na adolescência e ficou meio esnobe depois disso, e os roteiristas perceberam o que significava a frase "Deus não dá asa para cobra"

Da #30 em diante não tive paciência para ler, o tempo pra mim funciona, não dava mais, não sou um ser divino para ter paciência divina de ler as outras 534 versões anteriores até a final.

Enquanto isso, no versão_final.pdf, ela via um meme na internet, ria, lembrava dele, mas não sabia se queria compartilhar com ele ou não. E ele sentou na cama, pegou o Whatsapp, apertou o botão de áudio e disse "Oi bebê, você é linda, tô sentindo a sua falta, te amo. Se você quiser eu to aqui. Não sei quanto tempo, não sei o quanto, só sei do agora e do agora queria a sua cabeça encostada no meu peito, dividindo o edredom nesse frio. Você está distante na vida mas perto do meu coração para sempre". Ficou mais uns dois segundos com o botão apertado e deslizou para a direita, cancelando o envio. "Melhor relaxar indo escrever alguma coisa", pensou.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Dedo Quebrado

— Doutor, nem sei como explicar isso direito.
— Tenta pelo começo.
— Ok Doutor, veja bem: Quando eu tinha 11 anos eu estava jogando de goleiro. Pulei errado e a bola bateu na mão de um jeito que quebrei o dedo.
— Hm, mas isso foi a uns 20 anos não é?
— Sim Doutor, mas olha: aos 12 anos eu escorreguei no chão molhado e caí sentado de bunda com toda força. Até fez um barulhão, Doutor. Fiquei com a bunda toda roxa.
— Hm.
— Doutor, nesse dia aconteceu de quebrar o mesmo dedo de novo.
— Ele também bateu no chão?
— Não! Ele nem encostou!
— Como isso foi possível?
— Pois é, eu não sei! Eu não sabia o que tinha acontecido de errado até que aos 14 bati com a testa numa quina de ar condicionado. Além de fazer um galo bem forte eu estava de novo com o quadril todo roxo e o dedo quebrado!
— Mas você caiu no chão?
— Nada, fiquei super de pé Doutor! Mesmo com toda a dor no quadril eu tava total de pé!
— Eu não consigo entender...
— Nem eu né, Doutor? Aos 16 eu tomei um choque de um fio desencapado que deram mole numa reforma. Caí no chão já com dor no quadril, com um galo na cabeça e novamente com dedo quebrado. A cada novo acidente voltam todos os outros!

O Doutor ficou um tempo em silêncio. Todos esses anos e nunca havia ouvido nada parecido. Pela primeira vez na carreira não sabia nem por onde começar. Que especialista consultar. Qual livro procurar. 

— Meu caso é grave, não é?
— Seu caso é único.

Pediu uma bateria de exames. Exame de sangue: colesterol um pouco alto, mas ok. Exame de fezes e urina: ok. Ultrassonografia: ok. 

— Não há nada de errado com você!
— E como você explica isso?

Ele havia recentemente batido com o dedão no pé de mesa, e foi no consultório do Doutor com o dedão roxo, com os pelos arrepiados de um choque, um galo na cabeça, dor no quadril entre outras coisas, além de um dedo quebrado. 

O Doutor olhava para o paciente. Não conseguia ver nada de errado. 

Era isso: não era possível ver.

Foi para os escritos, formatou a tese e passou dias e dias escrevendo tanto que até passou a ter barba. 

Escreveu o Doutor:

"A dor é o reflexo físico de um sentimento. O acidente em si não causa a dor. A dor está ali como um alarme, um aviso escandaloso do corpo para avisar que se aquele corte não fechar nós vamos sangrar até morrer. Se não tirarmos a mão do fogo as chamas nos consumirão até virarmos carvão. Não tiramos a mão do fogo porque ela irá virar carvão, tiramos porque sentimos a dor da queimadura"

Sentiu que o caminho era por ali e continuou:

"Nós traduzimos esse alerta como dor. E a dor simboliza também outros impactos e perdas. Quando alguma pessoa querida morre nós dizemos que sentimos a dor da perda. Ora, nada nos atingiu fisicamente, então porque traduzimos algo assim como dor? Porque o nosso cérebro colocou o mesmo alarme para tudo de ruim. E para nosso azar evolutivo nosso cérebro é medroso o bastante para colocar alarme em tudo. O que nós somos é o medo de perder tudo, então sentimos dor constantemente."

Acendeu um cigarro. Sim, médicos não deviam fumar, mas casa de ferreiro, espeto de pau.

"Quantos galos na cabeça não se chamam 'Soraya não liga pra mim'? Quantas pessoas foram eletrocutadas por um 'Gabriela simplesmente me trocou'? Aquele escorregão é mesmo um escorregão ou aquele chão molhado se chama 'Thais perdeu totalmente a confiança de que nossa relação tem futuro'?

Toda vez que sentimos algo parecido precisamos revirar de alguma forma esse baú de neurônios onde guardamos sentimentos iguais. E reviramos juntos essas dores anteriores. É como retirar o curativo de um machucado que nunca sara."

Era aquilo. Faltava a posologia. Chamou o paciente. Explicou tudo ao paciente, suas novas teses, as sinapses e associações entre neurônios. As comparações de como galos na cabeça, choques e escorregões eram Cecílias, Isas e Julias.

— Tá — disse o paciente — Mas e meu caso, como a gente resolve?
— É brilhantemente fácil. Você está com o dedo quebrado.
— Impossível Doutor. Fizemos o exame, tudo está ok com ele já, exceto quando acontece alguma outra coisa.
— Não não não — o Doutor balançava o dedo com ar professoral — não podemos confundir o fato de não ver o problema com o fato de o problema não estar lá. O fato de que vemos o seu osso perfeitamente calcificado não pode ser determinante no fato de saber que seu dedo ainda está quebrado. É preciso deixar claro que cada choque, cada pancada e cada Laura fazem parte dentro da sua cabeça de um mesmo baú de reações e que ativar um, inclusive os novos, significa ativar todos numa reação em cadeia demoníaca de dor.

O Doutor fez uma ênfase meio teatral quando disse 'demoníaca'.

— Deixa eu ver se entendi. É tipo um cachorro de uma casa numa rua. Quando um começa a latir todos os outros cachorros da rua seguem o latido por toda a noite?

O Doutor estalou os dedos na frente dele em sinal de alegria.

— Bingo! Excelente, você já está pronto para a cura.

O tratamento, se é que se poderia chamar assim, era estupidamente óbvio e ao mesmo tempo estupidamente difícil. Consistia em entender tal qual Freud que um cachimbo era só um cachimbo. O paciente lutou para entender que um choque era só um choque, uma Marília só uma Marília, um escorregão não passava de um mero escorregão e que uma Paula é o que é, uma Paula.

E que nenhuma dessas coisas tinha a ver com o fato de que aos 11 anos alguém chutou a bola e ele quebrou o dedo. Nem o galo na cabeça nem a Giuliana. Era preciso entender que nem sempre as coisas estavam tão relacionadas assim, e aos poucos o Paciente foi tirando as coisas daquela caixinha de dores e colocando cada uma no seu lugar adequado. Era verdade que aquele dedo um dia foi quebrado, mas não havia a mínima necessidade do dedo permanecer quebrado para sempre. Depois de muito tempo o paciente disse:

— Doutor, acho que finalmente estou curado.
— É preciso entender se com muita dor você já consegue separar as coisas e resistir.

O Doutor sacou uma pistola e deu um tiro certeiro no estômago do paciente.

O Paciente sentiu o impacto e o ardente da bala penetrar sua barriga. Logo aquele calafrio da perda de sangue absurda. Mas o quadril não doía, ficou esperando o choque que não veio. Tocou a própria testa e tremendo viu que não tinha aparecido galo nenhum ali. Estendeu a mão em direção ao Doutor e enquanto sentia uma absurda dor no abdômen mostrou para seu médico que conseguia mexer o dedo, que finalmente o dedo não estava mais quebrado.

— Toda dor é única — Disse balbuciando com dificuldade.
— Toda dor é única — Confirmou o Doutor.

O Paciente ajoelhou no chão, prestes a perder os sentidos. O sangue vazava em longos goles no ar.

— Parabéns — disse o Doutor — já posso te dar alta hoje.

Morreu sorrindo.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Parem de racionalizar os sentimentos o tempo todo!


Longe de mim querer falar mal de um tema tão necessário como a do Caso Boticário, mas precisamos realmente que as lógicas de mercado e consumo sejam as protagonistas de um pé na porta da sociedade hipócrita e homofóbica que vivemos? Tudo o que acontece com a loja de perfumes parece ter sido milimetricamente elaborado, desde o fato de que o dito casal gay não se beija, o que ajuda a levantar pensamentos dúbios de que não é "coisa de viado" no cristão comum mas é um casal com olhares carinhosos o bastante para serem defendidos com unhas e dentes pela bandeira LGBT. As Hashtags estavam prontas e os memes com o logotipo da empresa pipocam. Antes de qualquer coisa, se tornou um bom negócio, se tornou lucrativo defender uma causa. Sabe-se lá o que vem por aí.

Mas isso é apenas uma ponte para um desabafo a ser feito. Quando eu venho aqui falar de relacionamentos, enquanto publicitário ~de esquerda~ não estou usando de conceitos de vendas. Eu só quero desabafar e fazer umas piadinhas no processo. E fazer uns inimigos ocasionalmente, que, por exemplo, vem me acusar de querer ostentar que peguei 50 pessoas na vida por causa de um texto. Queria entender como funciona a lógica de ostentar quando não se escreve com o verdadeiro nome (boom!). E já são 66 pessoas e contando, isso sim é ostentação. Enfim, não trato de relacionamentos profissionalmente, mas parece que muita gente parece dedicada a tirar diploma de pós-doutorado em relacionamentos nessa grande faculdade chamada internet, onde nem precisa de ENEM para entrar.Eu só quero que vocês riam junto comigo da minha própria cara, quando eu escrever um texto sobre como a menina #66 não parava de me abraçar e beijar no carro depois da nossa primeira noite e três dias depois dizia que não daria certo a gente ficar mais, sem nem ao menos explicar o porquê.

Há quem citaria Freud e talvez até outros filósofos como Lacan e Lulu Santos para explicar as atitudes da menina ("as ondas vem e vão, e vão e são como o tempo"). Eu no máximo citaria Walter Mercado porque isso é claramente coisa de peixes com ascendente em peixes. Odeio peixes. E é claro que gostaria de entender, mas acho um pouco demais trocar uma oportunidade de relacionamento legal por uma tese no Mestrado da PUC. E ela é de aquário.

Há gente demais escrevendo sobre sentimento e há cada vez menos gente sentindo o sentimento. Estamos condenados a virarmos todos PhD em sentimentos que nunca de fato estão em nós, porque nos recusamos eternamente a ser objetos de estudos. Viramos nossa própria farsa. E aqui estou eu infelizmente tentando numa engenharia reversa reescrever a equação que a menina #66 criou para desistir de mim tão de repente, para tal qual um Albert Einstein achar a brecha, a variável que muda o sinal do gráfico para positivo (para mim) e sair na rua gritando EUREKA como um Arquimedes do Amor.

Ao transformar o amor nessa coisa científica, mercadológica e equacionável podemos estar matando a única arte que já sabemos fazer desde que nascemos: a arte de amar. Como uma Roberta Miranda reversa, sabemos mais o que dizer do que sentir. Tornamos o amor uma opção em vez de um combustível. O amadorismo no sentido mais amplo da palavra já não cabe nos esportes populares. Amar também é cada vez menos para amadores, por mais contraditório que pareça. Perdemos tempo fazendo blogs sobre isso e tentamos achar a tal fórmula do amor como aquela música dos anos 80, quando na verdade se a gente gostou mesmo da #66 a gente deveria estar conversando mais com a #66, ouvindo mais a #66 e apenas vivendo mais ao lado da #66, que um dia pode nem se dar conta, mas tinha esquecido daquela constante ali no canto chamada você e aplique na fórmula. Queremos resultados imediatos de calculadoras científicas, e não desconstruir paradigmas complexos em um processo de vivência e troca como Maiakovisk.

Nada mais de humanas que amar. Precisamos parar de tornar isso de exatas, já basta eles terem o dinheiro também.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

As Loucas Viciam (e loucos)



A gente detesta rotina. A rotina é inevitável. Sendo inevitável uma coisa que a gente detesta a gente se frusta. Descer todo dia a estacão do Largo do Machado e vinte e três passos depois da escada é onde costuma estacionar a porta do vagão. Os mesmos de sempre apertados até a Uruguaiana. A mesma mesa de escritório cinza na agencia de publicidade. O mesmo porteiro da madrugada. Eu canso do mesmo por mais que seja bom, por ser o mesmo. Me coloque dez esmeraldas preciosas em volta de uma colher enferrujada e vou me interessar pela colher por ser o diferente.

Quando eu caio na minha rotina, eu me frusto, e olha que minha rotina ainda é um pouco menos fechada que a maioria das outras. A casa, após um dia estressante, é um refúgio maravilhoso. Depois disso é uma prisão com as mesmas paredes, os mesmos quadros e o mesmo anão esquartejado no freezer. É por isso que só as loucas me salvam. Em um mundo prezando para ser normal, eu fico esperando uma quebra de rotina a cada esquina. Imagino virar a rua e uma manada de zebus violeta em debandada. Seria lindo. E por isso busco a pessoa que seja esse zebu. Com menos pelo. Um pouco menos.

Eu sempre adorei me relacionar com "adversários", antagônicos, gente que me desafia mesmo sem perceber. Gente que me faz diferente a cada frase, que me obriga a ser assim. Então prefiro aquela pessoa que me deixa sem ação. Que me deixa sem resposta. Mais do que uma simples relação, eu desejo um desafio, uma intermitente catarse imprevisível que pode desencadear em doces beijos quando aquela ruiva de Brasília não resiste muito bem ao seu sotaque de carioca devidamente forçado para acertar o ponto fraco.

A pessoa louca é uma grande aventura. Você nunca sabe o que vai acontecer, é como um filme inédito toda noite no cinema. Está tudo bem e de repente ela fecha a cara e fica de mal. Está tudo mal e de repente ela pula na sua cara e é isso aí. O caos, meus amigos, o caos é delicioso. Se relacionar com uma pessoa louca é poder inventar milhares de planos escalafatosos e em vez de ser repreendido ouvir "isso podia ser legal". É ver a chuva da janela, dizer "a gente podia tomar banho de chuva" e perceber que ela já está de sutiã indo pro terraço.
É claro que nem tudo são flores, e viver no caos é quase como uma selva de sentimentos onde qualquer mini-aranha é peçonhenta. Os altos e baixos são mais altos e mais baixos. Mas o ideal do surfista não é marolinha. Queremos ondas gigantes, queremos descidas deslizastes da prancha. Queremos os maiores tubos dos sete mares. Precisamos parar de assistir aqueles documentários de ondas gigantes no National Geographic.

Eu detesto princesas — em parte por experiências ruins com patricinhas, em parte porque nunca fui muito chegado à monarquia e até um plebiscito votamos e fomos contra, seus novinhos — mas não consigo deixar de resistir a uma louca. as loucas são autênticas e não escondem o que são, até porque nem sempre conseguem. Não se importam muito com certas regras de vestuários, você pode encontrar com elas descabeladas, com um suéter com furos de queimadura de cigarro e continuarem lindas. Elas podem chorar até mais tarde porque você esqueceu o primeiro filme que vocês viram juntos, mas de noite ainda vai te cobrir de beijos mesmo com o rosto ainda meio molhado.

A louca nunca finge. A louca está lá por você, quer você. O louco é antes de tudo um sincero num mundo hipócrita e falso. Chega de falsos sentimentos. A passionalidade de uma pessoa louca é contagiante.

Isso tudo, claro, até a próxima briga e você ao tentar inutilmente resolver através da conversa e lógica, e falhando miseravelmente nesse intuito vai desejar alguém mais normal. Vai achar alguém mais normal. Alguém mais normal vai te achar louco demais. E aí você corre para as loucas novamente. E o caos, meus amigos, o caos é delicioso. As loucas viciam.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Tenho parentes no Facebook, e agora?



As pessoas me param na rua e perguntam “Adaílton, como é que a gente lida com parentes no facebook?” e eu resolvi escrever sobre isso.

Na verdade ninguém pergunta isso para mim. Eu é que gosto de imaginar que as pessoas perguntam. Na verdade mesmo eu gosto de imaginar que saio de casa e tem um batalhão de jornalistas prontos pra me fazer perguntas. Eu imagino um púlpito assim que deixo o prédio, cheio de microfones. Na real eu de vez em quando começo a responder na minha portaria erguendo a mão com veemência.

O Senhor Manuel, porteiro, tem certeza que sou louco. Não o culpo. Mas enfim.

Sou uma criança que foi criada no começo dos 90 e quando se tornou adolescente em 1999 já tínhamos internet mas não tínhamos as redes sociais como hoje. Isso significava que a gente tinha o grupinho do colégio, chegando no prédio era o grupinho do prédio e fim de semana era o grupinho de primos na festa de família. Basicamente os primos sabiam que você mijou na cama em Cabo Frio em 1993, os do prédio que toda noite tinha briga na sua casa e os do colégio te chamavam de Batoré. Agora nada define melhor do que CAOS.

O Facebook (e o finado Orkut inicialmente) deram início a uma verdadeira revolução de podres, um Wikileaks da vida secreta das pessoas. Aquela sua tia-avó que estava acostumado a encontrar você duas vezes por ano sempre muito arrumadinho e educado, aí resolve que vai fazer um facebook e a primeira coisa que o feed dela resolve mostrar é: “Fulano de Tal marcou Adailton Neves e mais 3 pessoas em uma foto” e lá está você em algum bloco de carnaval com duas ruivas vestidas de diabo e uma lata de cerveja na mão. E aí sua tia perde aquela imagem de bom moço que tinha de você, já que se a lata está numa mão a outra claramente está na bunda da ruiva número dois.

E ela aproveita pra reclamar com sua mãe.

E você nunca mais ganhará meias no natal.

E não podemos deixar de esquecer o que é a maravilha quando a mãe de algum amigo aprende a usar o scanner e começa a postar fotos antigas dele, algumas bastante vexatórias que levam apenas alguns nanossegundos para serem salvas.

O parente distante também é aquele que resolve fazer perguntas pra você. Em vez de usar o inbox como qualquer pessoa normal, ele vai na sua última postagem. Então você está lá escrevendo sobre a questão do impasse macroeconômico na União Européia quando de repente chega a tia Janete e “ADAÍLTON A TIA MARCINHA CHEGOU?” (Sim, em caps e não, ela não tinha chegado).

Aliás, existe um certo padrão de comportamento de comentários em foto que gostaria de compartilhar com vocês:

Foto com 2 pessoas: “Dupla dinâmica! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com 3 pessoas: “Trio parada dura! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com 4 pessoas: “Quarteto fantástico! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com 5 ou mais pessoas: “Turma do Barulho! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com comida: “Quero um pedaço ein! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto turística: “Mas nada de vir aqui em casa! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”

Portanto, para viver nesse novo mundo cão onde você não consegue mais esconder as suas saídas de suas tias existem apenas duas soluções: ou você não aceita parentes na internet e perde as ceias de Natal ou você passa a assumir o que é de verdade para todo mundo, aquele bêbado cretino com a mão na bunda da ruiva diaba. Ah, que saudade de você.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Meus 50 mini-contos sobre primeiros beijos

#01 - "Vou te morder então". "Vai? então morde minha boca". Meu primeiro beijo saiu dessa tirada genial, tipo a primeira vitória do Rubinho na F1, heróica, e depois aquela merda que a gente viu. Combina mesmo.
#02 - Ela disse "Você tem certeza que a gente devia estar fazendo isso?". Eu disse "Sim". E não, a gente não devia estar fazendo isso. Nem um pouco.
#03 - Ela disse "Senta aqui mais perto" (era uma festa e eu tinha acabado de sair do banheiro)
#04 - "Vou fazer respiração boca a boca se precisar" "ok, podia fazer agora então" (linda a tirada, me orgulho até hoje. Foi minha primeira namorada)
#05 - "Eu ficaria com você, mas o povo fica comentando" "Não tem ninguém olhando agora"
#06 - Não lembro bem. Nem foram bons beijos.
#07 - Não lembro bem. Era meu aniversário. Foram bons os beijos. Foi suado conseguir o beijo, mas depois foi difícil explicar que eu não queria namorar. Meu melhor amor imperfeito.
#08 - "Vou embora" "Não vai não, fica mais um pouco" (Ficou bem mais que um pouco. Me apaixonei perdidamente. Ela não. Sofri muito com meu primeiro grande amor)
#09 - "Você devia parar de sofrer tanto por ela", sobre a #08
#10 - "Eu to tímida" "Mas é só timidez o problema?" "Sim" (Namoramos)
#11 - "Oi" "Oi" (A internet às vezes adianta muita coisa)
#12 - "Você precisa relaxar um pouco mais". Beijo. "E aí, ficou mais calma?" (Namoramos. Ela nunca ficou mais calma. Meu namoro mais longo)
#13 - "Mas você tem namorada, meu" "foda-se"
#14 - "É muito estranho essa aleatoriedade de estar aqui com você" "Eu posso acrescentar algo a mais nessa aleatoriedade?" "Pode"
#15 - "Eu estava querendo fazer isso a muito tempo"
#16 - "Me obrigue a te beijar", ela pediu. Fui à lua e voltei.
#17 - "Você vai continuar nessa posição torta machucando o cotovelo para ficar me evitando ou vai chegar aqui perto logo?". Nunca mais nos vimos.
#18 - "Oi" "Oi" (A internet mais uma vez, essa linda. Namoramos dois anos, meu melhor namoro, etc)
#19 - "Mas até que é uma cicatriz bonita. Só que o que combina melhor com sua boca que uma cicatriz é a minha boca". Havia álcool e minha casa vazia no processo.
#20 - "Agora a gente está sozinho, você pode me dar um beijo?"
#21 - "Mas ela tem namorado" "Nessa brincadeira não tem problema"
#22 - "Jura que nada vai mudar entre a gente?" "Juro" (Mudou um pouco, mas nenhum grande desastre. Ela é um anjo até hoje)
#23 - "Mas você tá ficando sério com ele?" "Não, eu to só ficando, a gente pode ficar com outras pessoas". Beijo.
#24 - "Cara se quiser aproveitar a chance é agora" "Então vem" Aí ela pulou em mim no colchão
#25 - Logo após a #24 ela tava do lado no colchão e eu beijei.
#26 - Na mesma festa, mas já estava muito bêbado para lembrar exatamente
#27 - Na mesma festa, mas minha alma não estava lá mais
#28 - Na mesma festa, mas tudo que tenho são relatos de terceiros
#29 - "Beija ele! Beija ele!" Aí veio o cara e forçou um beijo. Eu deixei.
#30 - "Se quiser aproveita sua chance é agora" Era eu falando. Para um cara. Foi o mesmo dia do #29, a porteira estava aberta.
#31 - "Eu agora posso te dar um beijo ou você vai me fazer esperar mais uma semana?"
#32 - "Vem cá beijar a gente ao mesmo tempo"
#33 - Terceira pessoa diz "Olha ele beija bem você devia beijar ele também"
#34 - "Eu nunca beijei você? Por quê?"
#35 - Ele diz para terceiros "Mas ele não pega homens" Eu fico parado olhando, ele faz cara de "jura?"
#36 - ... (Ela chegou e me beijou enquanto passava um filme na universidade)
#37 - ... (Eu a puxei e beijei no meio do corredor da faculdade. Ela adorou. Louca. E linda)
#38 - "Mas alguém gostaria de me beijar?" "Eu gostaria"
#39 - "Me dá um beijo também"
#40 - "Eu to com vergonha" "Não tenha" (namoramos)
#41 - ... (tava tocando funk e a gente dançou junto)
#42 - Mandaram a gente se pegar e ela e ele me pegaram
#43 - Mandaram a gente se pegar e ele e ela me pegaram
#44 - No mesmo local dos #42 e #43, não era um ambiente que precisava falar alguma coisa
#45 - "Você é bonitinho" "mostra que acha mesmo que eu sou bonitinho"
#46 - "Você tá nervosa, vamos aproveitar o sinal vermelho para você ficar mais calma". Aí atravessamos a rua e ela quase foi acertada por um ônibus.
#47 - "Pega uma bebida pra mim que eu te dou um beijo". Não, não foi ela. Fui eu. Sim, facinho.
#48 - "Garoto para de me provocar que isso vai dar merda" "Não". Deu merda depois, mas ó, curti.
#49 - "Escolhe alguém para beijar"
#50 - "Eu só vou dormir depois que você me beijar"

domingo, 19 de outubro de 2014

Não, você não irá achar alguém que te mereça (e isso é bom).


Vamos ser claros: você não é um troféu. Você não é um prêmio Nobel. Você não é nem a Taça Guanabara. Muito menos o Grammy e olha que até o CPM22 já levou um. Não me entenda por mal, eu não quero te diminuir, quero apenas te avisar que aquele papo consolativo que você ganhou após um fora não tem efeito prático nenhum.

Você foi dispensado por alguém. Até aí o mundo continuou fazendo seu movimento de rotação normalmente, exceto por seu cérebro insistir e se lembrar da frase que a pessoa disse justo na hora que você quer dormir. Você tomou outro fora e “é fase”. Então aquela foda fixa resolveu se fixar em outro alguém e aí você começa a perceber que “fase” é um conceito relativo e uma volta completa de Plutão em torno do Sol também é uma fase, o que faz você não só se desesperar como perceber que sabe uns lances de astronomia bem inúteis pra sua vida.

Aí, a Pessoa de Boas Intenções, doravante PBI, não quer te ver mal, acha que você deveria levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima. Então a PBI, pode ser sua mãe, sua melhor amiga, seu parceiro de sinuca, o carcereiro do turno da noite... vem e sapeca essa, nossa primeira frase  a ser desconstruída nesse amável (ou quase) blog.

Você vai achar alguém que te mereça.

Merecimento em um dos significados do dicionário significa habilidades e competências. Tem uma política mecânica aqui presente que não existe no mundo real. Se a gente trabalha duro para vender muitos livros e consertar muitos sofás e por isso recebe mais dinheiro, podemos comprar a Ferrari, nós merecemos essa Ferrari. Mas nos relacionamentos não adianta só levar a Ferrari para jantar num restaurante caro. Quem merece algo faz mais pontos. Ou mais dinheiro. Ou teve mais votos para o Grammy. MERECER tem toda aquela aura de reconhecimento indubitável, que pode servir para te dar um status na sociedade como um todo, mas a sociedade como um todo não tem nada a ver com as preferências amorosas daquela menina um período abaixo do seu que insiste em ser evasiva com seus flertes.

Nos relacionamentos não estamos tratando de uma gincana onde a quantidade de carinho e atenção vai sendo acumulada e ao atingir uma determinada pontuação você troca nos postos de atendimento os cupons de carinho por uma namorada. Você pode ser o cara mais legal da face da Terra, mas não tem olhos verdes, que pena. Você pode ser podre de rico, mas é gordo. Você pode gostar muito da pessoa e tratá-la como se trata uma divindade, mas ela pode não querer se envolver com alguém que more em Brasília. Você pode ser gordo e ela amar gordinhos, cha-ching, bingo! Você pode ser um alien e ela uma caçadora de UFOs e tudo estranhamente se completar e no final ela perceber que curte mesmo a galera de Alfa-Centauro, vocês de Aldebaran são meio pé no saco.

O que estou querendo dizer é que relacionamentos são muito menos criados por meritocracia e mais por construção. É como aquele velho combate do que é Arte e o que não é. Há quem goste de Romero Brito por mais que você torça o nariz. Vocês curtem uns filmes chatos de criancinhas iranianas perdendo sapatos e eu tô querendo distância

(sério mesmo gente, essa história não cabia num curta metragem?)

Então aquele troço de dar carinho e atenção e se mostrar uma boa pessoa é muito válido, afinal ninguém quer ser mal-tratado, mas não é isso que vai criar um relacionamento. Aliás, relacionamentos amorosos acontecem de formas tão aleatórias que seria leviano demais levantar um determinado padrão. Quando a gente diz que “você vai achar alguém que merece você”, a gente está dizendo que todas as outras pessoas são canalhas cretinas que dispensaram você porque não sabem reconhecer seu valor. Não é bem assim.


Ou você concorda que quando dispensa alguém teve suas razões ou é um canalha cretino meio vilão de novela ruim?

sábado, 18 de outubro de 2014

A Primeira Vez é sempre uma merda mesmo.

Quando a gente sai com alguém pela primeira vez, estamos sempre preocupados como uma entrevista de emprego. A primeira vez que vamos pular uma pedra para cair no mar, a primeira vez que temos que cozinhar feijão sem assistência, a primeira vez que colocamos o carro na garagem apertada e a primeira vez que numa aula de faculdade lotada, aquele professor chato mostrando pela primeira vez que ele é chato e entra aquela menina linda e que você ainda não se acostumou com a beleza dela. Agora não consegue pensar em outra coisa que não seja aqueles olhos caramelo. A primeira vez é sempre uma merda.

Textos de blog então, são uma merda ainda maior. Ainda mais quando o blog não tem um tema específico ou melhor, tem um tema especificamente abrangente quanto o cotidiano que nos cerca.
O que esperar daqui: muita filosofia barata sobre o cotidiano, textos rasteiros com trapaças linguísticas. e muito pilantrismo estrutural. Relacionamentos serão o tema mais recorrente, e não falo só do relacionamento amoroso, ou aquele que começa na faculdade e termina na cama dos pais da moça de olhos caramelos numa noite que envolveu a Polícia Federal e dois ex-BBBs. Vocês não iriam acreditar.

Pelo menos aqui podemos encerrar a primeira vez logo. Não tem ninguém na pedra da praia gritando “pula, viadinho!”. Eu tinha 11 anos gente, isso não se faz.